Há diferença entre psicologia clínica e psicologia da saúde?

quinta-feira, 9 de junho de 2011



Entrevista com a psicóloga e professora do curso de Psicologia do IESB Maristela Muniz Gusmão: pontos de contato entre a Psicologia Social e Comunitária



Escrito por Márcio Borges Moreira
Sex, 10 de Outubro de 2008 11:33



Quando foi que você se decidiu pela Psicologia? Brevemente, gostaríamos de saber sobre a sua trajetória acadêmica.

Meu primeiro contato com a Psicologia foi no ensino médio, por meio de um professor de Filosofia. Morava em Guajará-Mirim que fica no interior do Estado de Rondônia e, na época, estudar não era prioridade para as famílias da região, de modo que minha mãe travou uma grande luta (familiar e social) para garantir que eu e meus irmãos tivéssemos acesso ao ensino. A conclusão do ensino médio era o máximo que se almejava e ela estava disposta a nos garantir ao menos isso. Até o ensino médio não havia escutado falar de psicologia, e foi incrível descobrir uma ciência que estudava o psiquismo. Interessei-me profundamente e passei a me ocupar na criação de estratégias para tornar-me psicóloga, o que não era tarefa fácil. Em minha cidade não existia ensino superior, e na capital não existia graduação na área, além disso, as condições sócio-econômicas da minha família limitavam bastante minhas possibilidades. Então, fui morar em Cuiabá com duas amigas da mesma idade, com o importante apoio da família de uma delas. Aos 17 anos, iniciei a graduação na área. No primeiro ano pensei em desistir e cursar Direito, mas agradeço a autoridade da minha mãe (risos) que disse: “Você vai concluir o que tanto lutou para realizar, depois poderá fazer o que quiser”.

Sabemos que sua experiência na área de Psicologia tem ênfase em Comunitária, com base nisso, fale-nos um pouco sobre o que é a Psicologia Comunitária e o que a levou a escolher esse caminho?

Na universidade em que me graduei havia pouco investimento na Psicologia Social e a Psicologia Comunitária, as disciplinas não faziam parte do currículo. O curso tinha uma tendência para a área Clínica e eu me interessava pela psicanálise e, com essa orientação, fiz estágios atendendo crianças, adolescentes e adultos. Mas posso dizer que conheci por meio dos estágios curriculares, um pouco de cada área, exceto da Psicologia Social e Comunitária. Isso sempre me incomodou, porque, sentia falta de disciplinas dentro da psicologia que contemplassem discussões políticas, sociais e culturais, que estão intrinsecamente ligadas a fenômenos como a violência em suas mais diversas manifestações.

A Psicologia Comunitária compreende o homem como sendo sócio-historicamente construído ao mesmo tempo em que constrói as concepções de si, dos outros e do contexto social. Utiliza-se do enquadre teórico da Psicologia Social, privilegiando o trabalho com os grupos. Interessa-se pela atividade do psiquismo decorrente do modo de vida, do sistema de relações, identificações e representações dos sujeitos. As intervenções buscam a promoção da saúde mental e a emancipação dos grupos sociais e, para tanto, contemplam discussões sociais, culturais, políticas e reflexões críticas sobre a condição em que os sujeitos se encontram. Meus estudos na área tiveram início em 1996, quando vim para Brasília e comecei a trabalhar em uma Organização Não Governamental denominada Núcleo de Estudos e Atenção à Exclusão Social (NATEX), que desenvolvia pesquisas e intervenções com população de meninos e meninas em situação de rua, em conflito com a lei e familiares. E ainda capacitava os profissionais que atuavam nesses contextos. Não planejei trabalhar na área, mas as oportunidades apareceram e não me vi em condições de recusá-las. Na verdade foi um grande desafio, pois exigiu muito estudo e uma mudança de perspectiva no que se refere ao meu olhar sobre populações que vivem em situação de risco.

Ainda sobre a área de Psicologia Comunitária, poderia nos relatar se é um campo de estudo que pode ser desenvolvido ou estudado utilizando diferentes visões ou abordagens psicológicas?

A realização de um trabalho sério e eficiente no contexto comunitário pressupõe uma boa formação. Os psicólogos que atuam na área estão ligados a organizações/instituições governamentais e não governamentais, e são devidamente remunerados, uma vez que se trata de uma atividade profissional. Trata-se de uma área de atuação do psicólogo e não há exclusividade quanto à abordagem psicológica. Você pode ser um psicanalista, um humanista, ou behaviorista que atua na área da psicologia social comunitária. Entretanto, as abordagens que pressupõe um olhar Sistêmico, como por exemplo, o psicodrama, tem mais produções teóricas na área, e isso acaba indicando os rumos da formação profissional.

Gostaríamos de saber como ocorreu sua inserção no mercado de trabalho. O início, suas escolhas; além disso, como foi/tem sido para você movimentar-se nesse âmbito da Psicologia.

Sai da graduação disposta a aproveitar todas as oportunidades, pois não me percebia em condições para fechar nenhuma porta. Posso dizer que estava pronta para aprender a trabalhar. Comecei na área de saúde mental (1994), pois fui contratada pela instituição na qual fazia estágio no último semestre da graduação. No ano (1996) vim para Brasília, e fui selecionada para trabalhar em uma pesquisa da UnB, com uma bolsa de Aperfeiçoamento em Pesquisa/CNPq. As atividades da pesquisa eram vinculadas ao trabalho do Núcleo de Estudos e Atenção à Exclusão Social - NATEX, e com isso passei a fazer parte da equipe. Desenvolvíamos trabalhos psicossociais em grupos e atendimentos clínicos individuais. Boa parte da minha formação deu-se no NATEX, onde aprendi a elaborar e executar diversos projetos de atenção a infância e adolescência em situação risco – contexto de rua, drogas, conflitos com a lei. Simultaneamente ao trabalho nessa instituição, atuei na coordenação da Medida Sócio-educativa de Liberdade Assistida (adolescentes em conflitos com a lei) no Centro de Desenvolvimento Social de Ceilândia, e depois trabalhei no Centro de Atendimento Juvenil Especializado – CAJE. Bom, a essas alturas a adolescência já era meu maior foco de interesse profissional, tanto nos trabalhos psicossociais, quanto em meu consultório. Atualmente, além do IESB, atuo em pesquisa, consultório e na Universidade Católica de Brasília, onde componho as equipes dos Laboratórios de Psicologia Clínica e Social/Comunitária.

Alguma vez atuou em clínica?

Atuo e sempre atuei na clínica. Considero que minhas experiências no campo social só enriquecem o olhar e a escuta clínica, sobretudo em se tratando da adolescência, que é a faixa etária à qual me dedico a atender no consultório. Gosto muito de trabalhar com adolescentes, tanto em psicoterapia individual, quanto em grupos psicossociais em diferentes contextos. O difícil mesmo é conciliar tantas atividades.

Você poderia discorrer um pouco sobre suas linhas de pesquisa?

Minha primeira experiência foi em uma pesquisa-ação, coordenada pelo professor Richard Bucher - também fundador do NATEX -, e o foco era análise do universo psicossocial da criança e do adolescente em situação de rua, o que contemplava a experiência da vida na rua nos aspectos subjetivos e sociais. Investigamos a trajetória de vida de alguns grupos até a ida para a rua, a relação com as drogas, com a saúde, com a escola, com os familiares e a rede social mais ampla. Nos anos seguintes, já na UCB e com a equipe do Laboratório de Psicologia Social e Comunitária, trabalhei em pesquisas com adolescentes em conflitos com a lei e vinculados a Medida Sócio-Educativa de Semiliberdade com a perspectiva de colaborar para a criação de estratégias e métodos de intervenções nesse contexto. O modelo de intervenção e investigação utilizado para o trabalho com os adolescentes foi ampliado e passamos a trabalhar com sujeitos (adultos usuários de drogas), autores de atos infracionais de menor potencial ofensivo e que, por meio de uma conciliação ou transação no processo penal, podem cumprir uma medida alternativa. Esse trabalho é realizado por meio de parcerias com o sistema de justiça, mais especificamente com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios - MPDFT, e resultou em novas pesquisas. Em 2006 avaliamos a eficácia dos mecanismos adotados pela Central de Medidas Alternativas - CEMA no que tange a participação da comunidade na aplicação da Justiça Penal, por meio da pesquisa intitulada “A participação da Comunidade na Aplicação e Execução da Justiça Penal”. Em 2007, com a pesquisa “Construção da rede comunitária de apoio às medidas alternativas no DF: uma investigação interventiva,” investigou-se a percepção da comunidade sobre as medidas alternativas, sobre os autores de atos infracionais e a influência dessa percepção na aplicação e execução dessas medidas. E atualmente, com a pesquisa “Conciliação e Conflito no Sistema Penal: da operacionalidade do sistema penal à demanda pela intervenção penal” procuramos investigar a concepção e operacionalização da conciliação no sistema penal, bem como as conseqüências e benefícios dessa conciliação para os sujeitos em situação de conflito.

Houve alguma pesquisa que chamou muito sua atenção, ou foi mais significativa? Você pode nos contar sobre isso?

Adoro trabalhar em pesquisas e acredito que todas são muito significativas, sobretudo porque não ficaram no vazio. Todas as pesquisas que citei resultaram em produções importantes para os profissionais que atuam nessas áreas. Entretanto, a pesquisa com crianças e adolescentes em situação de rua foi marcante por ter sido minha primeira experiência em pesquisa, e por me colocar em um espaço que, naquela época, não imaginava a prática do psicólogo. Foi uma reviravolta em minha formação! Novos olhares, rompimentos com os pré-conceitos, mudanças de paradigma...

Como professora/formadora, quais, para você, são as principais habilidades e ferramentas que um educador deve desenvolver para promover a melhor aprendizagem de seus alunos?

Ser professora é uma aventura (risos) para todos os atores envolvidos, pois a relação que se estabelece é muito complexa, envolve histórias de vidas e interesses diversos, contexto, conhecimento e estratégias de ensino. Aprendi que é fundamental saber para quem se está ensinando, ou melhor, com quem se está compartilhando conhecimento. Talvez a capacidade de olhar o grupo e também o sujeito real, concreto, seja uma habilidade que, aliás, não é nada fácil ser desenvolvida, pois estamos acostumados a uma relação de ensino-aprendizado que privilegia apenas o grupo, em detrimento do sujeito. Tento não perder a perspectiva de que a construção do conhecimento é uma ação conjunta, e nesse sentido, dialogar com o aluno é fundamental.

Que características (ou habilidades) você considera importantes serem desenvolvidas pelo aluno que deseja se dedicar à área de Psicologia Comunitária?

Acho que é preciso ser sensível às questões sociais. Costumo dizer para meus colegas de profissão que temos que manter vivo o sentimento da “estranheza”, da não naturalização e banalização das coisas. A busca por conhecimento é imprescindível, pois a atuação na área exige que o profissional tenha uma compreensão mais ampla sobre a atual condição dos sujeitos em situação de exclusão. É preciso entender que os fenômenos atuais foram construídos historicamente, e para lidar com a situação é preciso que tenhamos conhecimentos sobre os aspectos sociais, históricos, culturais e políticos.

Para finalizar, por favor, nos deixe alguma mensagem de incentivo, e/ou um conselho, e/ou sugestão, para os alunos de psicologia, tanto para aqueles que estão iniciando o curso como para os que estão prestes a se formar.

Mantenham-se abertos para o conhecimento e para as experiências. É extremamente importante estar imerso no conhecimento teórico para a prática poder ser, de fato, uma possibilidade a posteriori.


http://revistapsi.iesb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=176:entrevista-com-a-psicologa-e-professora-do-curso-de-psicologia-do-iesb-maristela-muniz-gusmao-pontos-de-contato-entre-a-psicologia-social-e-comunitaria&catid=35:entrevista&Itemid=55

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